Em plena ressaca da Monarquia do Norte, o Partido Democrático preparava-se para voltar a dominar o poder político no país. A Primeira Guerra Mundial tinha terminado, a acalmia prometida pela República Nova sidonista acabara em assassinato e os monárquicos tinham sido finalmente vencidos. O terreno parecia estar livre para que os democráticos pudessem estabelecer-se novamente como monopólio partidário em Portugal. À direita, os rivais pareciam ter sido todos esmagados e só em 1923 é que se reagrupariam em torno de Cunha Leal e do Partido Nacionalista. À esquerda, o Partido Socialista contava muito pouco e a União Operária Nacional (UON) estava moralmente devastada pela desilusão com Sidónio e pelo fracasso da greve geral de 1918, além de ter sofrido um rude golpe nas suas fileiras devido às baixas causadas pela Grande Guerra e pela pneumónica do ano anterior. Mas o terrível contexto dos trabalhadores portugueses não impedia que fosse fundado um novo jornal, que se tornaria o grande opositor social aos democráticos até ao final da Velha República Nova, em 1926. A 23 de Fevereiro de 1919, surgia A Batalha.

Caderneta confederal de sindicado na Confederação Geral do Trabalho

Primícias de um jornal das corporações

A publicação do diário deveu-se à vontade de um grupo de delegados da UON: entre eles estavam militantes já muito experientes na edição e redacção de periódicos anarquistas, como Pinto Quartin (Amanhã e Terra Livre) e Hilário Marques (A Sementeira), gráficos como Raul Neves Dias e tipógrafos, dos quais se destacavam Francisco Cristo e Alexandre Vieira. Vieira seria mesmo o redactor principal do jornal até 1922 mas, devido à sua débil saúde, o cargo passou a ser realmente exercido por Quartin, Santos Arranha e Manuel Joaquim de Sousa a partir de Setembro de 1919. Outro dos elementos que esteve na fundação do jornal foi o excêntrico Perfeito de Carvalho, que desenhou o célebre logotipo de A Batalha, provavelmente o único apontamento que se manteve inalterado neste século de existência.

Tudo o resto foi alvo de constantes transformações, não só ao nível do desenho gráfico do jornal, mas, principalmente, em relação às suas linhas orientadoras. Um dos casos exemplares verificou-se logo em Junho, escassos meses depois do surgimento de A Batalha, quando a UON sugeriu à redacção que fizesse um jornal de natureza revolucionária que patrocinasse a abolição do patronato e do salariato. Se na sua origem o porta-voz dos trabalhadores propunha a relação harmoniosa entre as diversas tendências do movimento associativo e sindical, agora reivindicava a necessidade de o jornal aderir ao sindicalismo revolucionário. Para a aprovação desta tese, muito contribuiu o já referido Manuel Joaquim de Sousa, que em Setembro de 1919 foi eleito como primeiro secretário-geral da recém-constituída Confederação Geral do Trabalho, da qual A Batalha se tornaria o órgão oficial na imprensa.

A partir desse mês, o jornal empenhou-se em campanhas contra a vaga de perseguições governamentais e encarceramento de operários, e em animar os trabalhadores para que estes exigissem a regulamentação da semana laboral de 40 horas. O jornal dedicava-se quase exclusivamente à vida sindical. A autonomia de A Batalha em relação à CGT era ainda muito diminuta e a confederação servia-se do periódico para agitar o movimento operário, alvo de uma campanha de repressão que se alastrou para os primeiros meses de 1920, culminando na apreensão do jornal e no encerramento da sua sede na Calçada do Combro, durante o mês de Março. Foram meses difíceis para o diário, que enfrentou uma crise financeira aguda provocada pelo encarecimento do papel. Os editores viram-se forçados a diminuir o número de páginas, que passou de quatro para duas, mantendo porém uma tiragem aproximada de 20.000 exemplares diários.

Perante a questão da dependência ideológica do jornal em relação à CGT e do estrangulamento das suas finanças, decidiu-se empreender numa Secção Editorial. Esta poderia ser útil na recolha de fundos através da edição de brochuras e parecia trabalhar com mais autonomia do que o diário: isso explica a publicação de A ditadura do proletariado, de José Carlos Rates, no início do ano, que esteve na origem de uma acesa polémica com Manuel Joaquim de Sousa. O secretário-geral da CGT rejeitou a tese central do livro de Rates, isto é, a possibilidade de uma ditadura de trabalhadores, mesmo que esta fosse exercida por indivíduos nomeados pela CGT. Ao longo dos anos seguintes, Sousa tornou-se num aguerrido defensor da autonomia dos sindicatos, da máxima «emancipação dos trabalhadores pelos trabalhadores», arremessando tudo o que fosse apanhando contra aqueles que se iam aproximando das teses provenientes de Moscovo. Se os anarquistas são constantemente acusados de anti-comunismo, Manuel Joaquim de Sousa foi claramente o precursor desta tendência em Portugal.

A primeira divisão ideológica na CGT e a fundação do PCP

Na segunda metade do ano, a censura sobre o jornal não acalmou e a sua sede voltou a ser assaltada pela polícia no final de Agosto. O governo liderado por António Granjo estava em pânico e vivia obcecado com a hipótese de os ventos revolucionários da Rússia originarem um ciclone que passasse por Portugal. Por isso, o governo anunciou na sua imprensa oficiosa que a CGT estava a preparar uma greve geral revolucionária para Outubro sob indicações da Terceira Internacional, notícias que foram rapidamente desmentidas pelo Conselho Confederal, afirmando que eram os sindicatos e as associações que decidiam pela existência de uma insurreição. O Conselho afirmava que não cabia à confederação marcar a data e hora da revolução; essa era uma decisão que só podia ser tomada pela vontade das várias unidades operárias que integram a CGT.

Na verdade, levantamento revolucionário nem vê-lo. Em Outubro, porém, iniciar-se-ia mesmo uma greve que iria marcar a história do movimento social em Portugal, mas não pelas razões esperadas: mais que abalar as fundações do regime e lançar as sementes para a sociedade comunista futura, a greve dos ferroviários serviu para medir distâncias entre os sindicalistas revolucionários de tendência anarquista e os militantes que gradualmente se iam aproximando do bolchevismo e da Internacional Comunista.

Do lado dos primeiros, estavam aqueles que defendiam a autonomia sindical na construção da sociedade futura: entre eles encontravam-se Manuel Joaquim de Sousa, Emílio Costa (que desde 1917 se mostrava muito desconfiado em relação ao sucesso revolucionário do golpe bolchevique) e um jovem Adriano Botelho (que reaparecerá nesta história mais para a frente); do outro lado estava Rates, defendendo que a táctica sindical da CGT deveria seguir o modelo preconizado pela Terceira Internacional. Para isso, era necessário um partido que complementasse o trabalho sindical que, por si, era insuficiente para fazer nascer uma sociedade igualitária. Estavam lançadas as bases para a fundação do Partido Comunista Português (PCP) no ano seguinte.

Na verdade, a vida interna da CGT, em 1921, estava marcada por uma aberta conflitualidade entre o Conselho Confederal, com Manuel Joaquim de Sousa à cabeça, e o PCP. Através de uma nota oficiosa publicada em A Batalha, a 17 de Julho, a confederação condenava as acções divisionistas dos militantes cegetistas que desde o final do ano anterior participavam em reuniões para a fundação de um partido que, agora, se opunha abertamente à autonomia sindicalista e prometia seguir à risca os conteúdos programáticos ditados pela Internacional Sindical Vermelha (ISV). Entre esses sindicalistas encontrava-se o editor do diário Joaquim Cardoso, que seria irradiado do seu cargo em Agosto, não sem antes apelidar Manuel Joaquim de Sousa de «ditador da Batalha», que por essa altura exercia as funções de redactor-principal interino. A cisão ideológica na CGT e a fundação do PCP, além da ligeira acalmia do movimento grevista, marcaram o ano de 1921 no plano social.

Primeira página do Suplemento ao n.º 896 (24 de Outubro de 1921)

Primeira página do n.º 953 (30 de Dezembro de 1921)

A Secção Editorial de A Batalha: o embrião de uma redacção independente

Ao contrário da CGT, a actividade de A Batalha deixou de estar fechada nos seus problemas internos. Isso deve-se à criação da sua Secção Editorial, que publicou a colecção literária «A Novela Vermelha». A primeira série destas brochuras com ficções sociais curtas publicar-se-ia mensal e ininterruptamente entre Maio e Fevereiro do ano seguinte. Os curtos romances, contos ou prosas autobiográficas eram da autoria de colaboradores do jornal, como Manuel Ribeiro, Sobral de Campos, Augusto Machado, Mário Domingues, Nogueira de Brito, José Benedy, Cristiano Lima, Jesus Peixoto e Julião Quintinha. À excepção do primeiro, que se afastaria do jornal por razões de fé, todos os outros colaborariam, dois anos mais tarde, nas revistas que a editorial de A Batalha começaria a publicar. Haveria ainda lugar para a edição de dois ensaios propagandísticos: A propriedade privada, de José Carlos de Sousa, separata do diário, e A crise do socialismo, de Augustin Hamon.

Também o matutino ganhava uma nova força a partir de Outubro, regressando às quatro páginas e reformulando os seus conteúdos. Com o objectivo de deixar de ser um jornal das corporações profissionais e para chegar a mais leitores, A Batalha passava a seguir as movimentações internacionais do campo social e a publicar folhetins. Até 1927 publicaria cerca de uma dezena: «Trabalho» e «O fuzilado», de Zola, «História dum cavalo» e «Maldito dinheiro», de Tolstoi, «Na prisão» e «Waria», de Gorki, «O último Quixote», de Federico Urales, «Justiça sacerdotal», de Francisco Gicca, «Greve de inquilinos», de Neno Vasco (publicada pela Secção Editorial de A Batalha em 1923) e os «Mistérios do povo», de Eugène Sue.

No entanto, o esforço por manter de pé o diário e a casa editorial era constantemente abalado pelas agressões sistemáticas dos diversos governos democráticos e pelas sessões de espadeirada das suas polícias, como sucedeu no desfile do 1º de Maio que se encaminhava do Parque Eduardo VII para a sede de A Batalha. O ano terminaria mesmo com a polícia a encerrar a sede e a prender tipógrafos devido à explosão inadvertida de uma bomba que estaria a ser manufacturada na Calçada do Combro. E, para juntar a estes problemas estruturais do contexto político, a CGT lidava com a difícil situação de muitos dos confederados se aproximarem das fileiras comunistas.

O Congresso da Covilhã e as três internacionais sindicais

Até finais de Janeiro de 1922, a sede de A Batalha continuaria encerrada. A organização sindical estava paralisada e o Conselho Confederal não reunia. A greve geral de Abril foi um fracasso e Manuel Joaquim de Sousa, mantendo a sua pulsão anti-leninista, atribuiu responsabilidades à desorientação provocada pelo PCP, que diz procurar subverter a actividade cegetista. No 1º de Maio, em Lisboa, a participação foi inferior ao habitual e Santos Arranha juntou-se ao secretário-geral na distribuição das culpas pelo novo partido político, responsável, segundo este, pelo afrouxamento da organização dos trabalhadores. A situação financeira de A Batalha agravara-se, perdia dinheiro todas as semanas, e apesar das campanhas de ajuda ao jornal não havia outro caminho para a sua sobrevivência que não passasse pela instituição de uma quota adicional obrigatória para todos os sindicalizados. Mas também a sua linha ideológica era posta em causa, principalmente pelas Juventudes Sindicalistas, que a consideravam demasiado branda, tema que seria recorrente nos anos vindouros. Chegara-se mesmo ao ponto de acusar a redacção do jornal de censura aos opositores de Manuel Joaquim de Sousa. Foi sob esta tensão no meio sindical que se realizou, em Outubro, ao Congresso Nacional Operário da Covilhã.

No centro da discussão estavam as relações internacionais que a CGT estabeleceria no futuro e era esse o tema que tomava conta do trabalho editorial de A Batalha durante esse ano. Neste sentido, destaque para o apoio indirecto dado pela secção editorial à publicação das brochuras O Congresso da Internacional Sindical Vermelha (Moscóvia, 1921) e Os I.W.W. na teoria e na prática, ambas da autoria da Textil Workers Union. O distanciamento em relação ao Profintern não impede, porém, que nas páginas do matutino surgissem apelos à solidariedade dos trabalhadores com os famintos russos, efeito provocado pelo bloqueio comercial das democracias ocidentais aos bolcheviques. Por isto, não é surpreendente que a publicação de A fome na Rússia, de Fridtjof Nansen, fosse contemporânea de acesos debates sobre qual a Internacional à qual a confederação portuguesa se deveria alinhar.

Mas a maioria liderada por Manuel Joaquim de Sousa, que ao fim de três anos deixaria o cargo de secretário-geral, parecia ter já definido o rumo da CGT e de A Batalha: nem os leninistas de Moscovo, nem os socialistas de Amesterdão. A posição que saiu da Covilhã era precisamente a de rejeitar estes dois caminhos, e o Conselho Confederal recém-eleito decidia pela participação na criação da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT): se se previa que o Congresso servisse apenas para afastar definitivamente os comunistas da CGT, eis que os próprios partidários de Manuel Joaquim de Sousa abriam o flanco e permitiam a entrada nos órgãos confederais de uma outra tendência dentro do sindicalismo revolucionário, que se organizou em redor do controverso Santos Arranha.

Primeira página do n.º 1056 (1 de Maio de 1922)

Primeira página do n.º 1458 (24 de Agosto de 1923)

O arranhismo

Logo no início de 1923, A Batalha lançou a possibilidade de uma greve geral revolucionária e internacional, motivada pela ocupação do Ruhr, que ameaçava a estabilidade internacional defendida pelos sindicalistas revolucionários. No plano interno, o aumento das rendas e do preço do pão resultaram numa greve geral em Agosto, mas em Abril já 12.000 têxteis tinham parado o trabalho na Covilhã devido aos salários baixos. No mês seguinte, a vaga de atentados contra as «forças vivas» e a Moagem resultara na detenção do novo secretário-geral Santos Arranha, que desde a sua eleição no Congresso Nacional Operário tinha a responsabilidade de terminar com os conflitos internos na CGT, de descentralizar a propaganda, de resolver as dificuldades financeiras de A Batalha e de reorganizar internamente o jornal.

Quanto ao jornal, a primeira medida tomada foi o aumento da quota confederal, depois um apelo a donativos e, finalmente, o aumento do preço do diário, que em Abril passou para o dobro. No plano editorial, o nome de Alexandre Vieira caiu finalmente e Manuel Joaquim de Sousa foi afastado do cargo de redactor-principal interino. Carlos José de Sousa foi nomeado para o seu lugar e o arranhismo começou a tentar impor uma linha ideológica. Pedia-se à Batalha que se tornasse o órgão oficial do sindicalismo revolucionário, mas o novo redactor-principal tinha uma visão muito própria para o jornal, que não passava por ser a correia de transmissão do Conselho Confederal e do seu secretário-geral.

Os tiques autoritários de Arranha não só caíam mal à redacção e editores do jornal, como também à própria CGT, que o olhava com desconfiança por ser o proprietário de uma pequena oficina e de ter deixado de ser assalariado para se tornar patrão. Perseguido e encarcerado pelo governo, humilhado e abandonado pelas bases, restava pouco mais a Arranha que abandonar o cargo em Novembro. A crise interna agravava-se.

A Batalha em crise

Entretanto, Carlos José de Sousa e Carlos Maria Coelho, redactor-principal e editor de A Batalha, saíam vencedores do braço-de-ferro com o secretário-geral e era-lhes negado o pedido de demissão. Mas no mesmo mês em que Arranha deixava o cargo, o Conselho Confederal apreciava um relatório da comissão administrativa do jornal e decidia que este devia mesmo seguir uma orientação sindicalista revolucionária. Legitimava-se, indirectamente, uma ditadura da maioria: conhecendo o esforço financeiro da CGT em manter o jornal, este, pelo menos, devia seguir a via ideológica determinada no Congresso da Covilhã. Para que A Batalha alcançasse este propósito, a redacção sugeriu que se iniciasse a edição de um novo órgão de propaganda. Em Dezembro surgia o Suplemento literário e ilustrado de A Batalha, que se publicaria sempre à segunda-feira, ininterruptamente durante 166 semanas.

Claro que, numa situação de sufoco financeiro, a consequência de mais gastos com impressão e distribuição seria, pelo menos a curto-prazo, catastrófica: A Batalha via-se incapaz de pagar os salários dos seus trabalhadores a tempo e, em Maio de 1924, os tipógrafos entraram em greve. Exposta publicamente a saúde do jornal, iniciavam-se as críticas de militantes operários – principalmente daqueles que mantinham relações com a ISV – à linha editorial, considerada muito fechada ideologicamente. Como se tudo isto não bastasse, o governo liderado por Álvaro de Castro empenhava-se na censura ao jornal, bloqueando a sua distribuição e chegando mesmo a julgar o seu editor devido ao conteúdo do diário, que atacava os monopólios dos tabacos e da Moagem, e condenava a violência da polícia liderada por Ferreira do Amaral.

Solidários com o esforço que a redacção fazia para continuar a publicação de A Batalha, populares e trabalhadores contribuíram com 33.000$ para a renovação gráfica do jornal, que apareceria de cara lavada em Novembro. Desde o mês anterior que o seu redactor-principal era Manuel da Silva Campos, que por acumular esta função com a de secretário-geral da CGT, desde a demissão de Arranha, anunciava a sua confiança plena na redacção, afirmando não ter tempo para participar nos seus trabalhos. Afinal, o movimento operário estava dividido e a confederação tinha agora a oposição dos Núcleos Sindicalistas Revolucionários e do PCP, que começavam a propagandear a necessidade de uma Frente Única. Assim, porta aberta para que a redacção pudesse voltar a trabalhar autonomamente, sem as ingerências da cúpula cegetista.

Primeira página do Suplemento Semanal Ilustrado, n.º 15 (10 de Março de 1924)

Primeira página do n.º 1163 (1 de Maio de 1925)

O avanço das «forças vivas»: a CGT e A Batalha sobre o frentismo das esquerdas

A partir de 1925, a clivagem social intensificou-se: pairava no ar a ameaça de uma ditadura à semelhança da de Primo de Rivera em Espanha; as «forças vivas» de direita pareciam unir-se à volta de Cunha Leal, mas os militares desconfiavam de um político profissional; voltava-se a falar da pena de morte, que teria como principais alvos os operários; à União dos Interesses Económicos opunha-se a recém-criada União dos Interesses Sociais; através de uma forte campanha de O Século, a opinião pública comprava a ideia de que a CGT era avençada do governo liderado por José Domingues dos Santos, algo que a confederação prontamente desmentiu.

Mas a realidade é que a confederação agiu passivamente em relação a este governo por causa da constante ameaça do avanço das direitas. A Batalha foi mais longe ao afirmar que a atitude correcta seria não hostilizar esse executivo, o que provocara uma reacção violenta por parte de alguns militantes. Entre eles estava um velho conhecido, relativamente desaparecido desde o Congresso da Covilhã: Manuel Joaquim de Sousa reaparecia para condenar a orientação do matutino, acusando a redacção de desvio esquerdista e afastamento em relação aos estatutos confederais.

Depois de aprovada uma moção contra a linha editorial de A Batalha, os redactores demitiam-se a 19 de Fevereiro. Entre eles encontrava-se Mário Domingues, que seria sempre um dos alvos preferenciais da corrente anarquista. Manuel da Silva Campos assumiu responsabilidades, fez mea culpa em pleno Conselho Confederal, e a redacção retomou funções no dia seguinte. Mas o que importa destacar deste evento é precisamente a demonstração da força interna que Manuel Joaquim de Sousa continuava a ter, mesmo não exercendo formalmente o cargo de secretário-geral.

Ao fracassado Golpe dos Generais, a 18 de Abril, seguia-se uma greve geral falhada, provavelmente por ser domingo, segundo o secretário-geral da CGT, que com muita boa vontade assinava um manifesto de apelo a que o proletariado impedisse os avanços da reacção. O problema é que o documento também era assinado pelo Partido Socialista e pelo PCP. Nessa mesma noite, nova sessão de crítica ao frentismo do secretário-geral no Conselho Confederal: tremendamente fragilizado, tentava abandonar esse cargo. O pedido foi rejeitado, mas, três meses mais tarde, abandonou mesmo o cargo de redactor-principal de A Batalha. Sucedeu-lhe o mal-amado Arranha, que passava a dirigir toda a imprensa da CGT: diário, Secção Editorial, Suplemento e a recém-criada revista Renovação.

 

O Congresso de Santarém e a hegemonia sindicalista revolucionária na CGT

O governo de Vitorino Guimarães, que impediu o sucesso da golpada de Abril graças ao apoio da GNR, pretendia repor a ordem. Não surpreende, pois, que essa reposição de ordem implicasse deportar operários para a Guiné, voltar a censurar A Batalha e efectuar buscas policiais regulares à sede na Calçada do Combro, ainda para mais quando pouco tempo antes se tinha atentado contra a vida de Ferreira do Amaral.

A crise permanente da CGT acentuou-se neste ano, principalmente depois de Agosto, com a dissidência do seu sindicato mais numeroso – a Federação Marítima –, que acusava a confederação de dogmatismo e ortodoxia, apontando o dedo ao lápis censório de Arranha, que excluía qualquer contraditório das páginas de A Batalha. Contraditório esse que também estaria excluído do Congresso Nacional Operário do mês seguinte, em Santarém, no qual a entrada a militantes e sindicatos não-confederados estava vetada. No entanto, o congresso empenha-se em discutir algumas teses que há meses vinham sendo publicadas nos periódicos confederacionais: a higiene no trabalho, a exploração colonial e o trabalho feminino e infantil. Ao mesmo tempo, verificava-se um esforço em robustecer o aparato doutrinário da CGT, sintetizado na tese «Organização Social Sindicalista», apresentada por Adolfo Lima no congresso anterior, de forma a afastar a minoria sindical afecta aos comunistas.

O objectivo do congresso era claro: o sindicalismo revolucionário teria que sair fortalecido de Santarém. Para esse propósito também contribuiu a editorial de A Batalha, que através da liderança férrea do arranhismo publica três brochuras dedicadas ao sindicalismo em 1925: As três internacionais sindicais, de Alexander Schapiro, O sindicalismo revolucionário e a organização operária, de Rudolf Rocker, e A revolução social e o sindicalismo, de Pyotr Arshinov. Em princípio, a hegemonia interna do sindicalismo revolucionário teria mesmo triunfado no congresso, pois nas eleições de Novembro a posição confederal já não deixava margem para dúvidas. O operariado não podia fechar os olhos à ameaça fascista, mas também não deveria colaborar com o parlamentarismo, posição já bem distante bem da de inícios do ano.

Mas no final de 1925 e no início de 1926 as principais notícias de A Batalha seriam dedicadas a outro tema, mais popular e que se esperava potenciar as vendas de um jornal no limiar da sobrevivência: trata-se do caso Alves dos Reis e da burla do Banco Angola e Metrópole.

Primeira página do n.º 2094 (27 de Setembro de 1925)

Primeira página do n.º 2186 (17 de Janeiro de 1926)

Todos contra os jornalistas profissionais de A Batalha

Eram enviadas mensagens confusas aos leitores durante os primeiros meses de 1926. Por um lado, a CGT parecia ter rejuvenescido em Santarém, como se podia confirmar pela publicação do Almanaque de A Batalha para 1926 (a realidade, porém, era bem diferente, com inúmeros conflitos entre sindicatos e federações, que a confederação era incapaz de arbitrar). Por outro, o diário preferia imiscuir-se na organização interna da CGT – com o seu redactor-principal a enviar recomendações a Silva Campos através das páginas do jornal – e a noticiar os casos de corrupção da banca, relegando as movimentações das direitas para segundo plano.

O principal responsável por estas notícias e reportagens era Mário Domingues, que ia construindo uma carreira sólida dentro do jornalismo português. Com ele estavam outros colaboradores e redactores da imprensa cegetista: Pinto Quartin, Ferreira de Castro e Jaime Brasil, por exemplo. Devido a pressões exteriores ao jornal, a orientação da redacção era novamente questionada no Conselho Confederal por Manuel Joaquim de Sousa; fora da organização também se criticava o critério redactorial, com destaque para um conjunto de jovens militantes anarquistas como Adriano Botelho, Francisco Quintal, Germinal de Sousa e um rapaz de 19 anos que concretizaria a reorganização do jornal após a ditadura que se aproximava: Emídio Santana.

Em Maio, a CGT encontrava-se envolta na confusão do costume: algumas federações e sindicatos pretendiam sair da confederação, outras não pagavam as quotizações, o seu órgão na imprensa agia de forma cada vez mais independente, criticando o Conselho Confederal abertamente, e os jovens sindicalistas não se reviam nem no mandato frouxo de Manuel da Silva Campos, nem na posição ambígua de Santos Arranha. A desconfiança em relação a ambos agravava-se com a posição tomada por A Batalha e pela CGT em relação ao 28 de Maio: expectante e neutral perante o movimento insurreccional.

Manuel Joaquim de Sousa, Santos Arranha e Manuel da Silva Campos: o 28 de Maio e a implosão da CGT

A situação é confusa e só a 1 de Junho é que se proclamava a greve geral revolucionária contra os insurrectos, para na semana seguinte esta ser desconvocada, alegando-se «ter sido desviada a trajectória francamente militar ditatorial» do movimento. Passadas duas semanas, finalmente se compreende a natureza ditatorial do movimento e publicava-se um suplemento ao diário, que voltava a convocar a greve geral revolucionária. Mendes Cabeçadas, ainda a liderar os militares (no próprio dia seria afastado por Gomes da Costa), convocou o director de A Batalha e intimidou-o, avisando que se não houvesse um desmentido no dia seguinte, o governo civil de Lisboa avançaria com o encerramento da sede na Calçada do Combro. Arranha recuou e a CGT voltou a desconvocar a greve.

Mas isso não impediu que se aplicasse o regime de censura ao jornal. A 9 de Julho já não havia volta a dar: Carmona exilava Gomes da Costa e estabilizava um novo regime com tiques integralistas; caía a noite ditatorial e a CGT, entre as clivagens internas e a competição com os moscovitas, encontrava-se paralisada e não conseguia dar a resposta exigida pelo momento.

O secretário-geral da CGT atribuiu responsabilidades a Arranha por não respeitar a posição clara do Conselho Confederal de condenação da insurreição militar logo no dia 29 de Maio. Manuel Joaquim de Sousa, muito crítico da fase actual do jornal, seguia pelo mesmo diapasão. Ambos consideravam que Arranha se tinha acobardado e decidira arbitrariamente que A Batalha se devia manter numa posição de expectativa. Em Julho estalava finalmente o verniz com sessões de pancadaria entre apoiantes de cada uma das facções.

Entretanto, segundo o Diário de Lisboa (A Batalha remetia-se ao silêncio e deixava de publicar as discussões internas da confederação), a CGT teria perdido 70% dos seus sindicalizados. Algumas federações tentavam encerrar o conflito, exigindo a demissão dos três, com consequências visíveis: Manuel Joaquim de Sousa era destituído do seu cargo no Conselho Confederal e, com o apoio de Santana e Quintal, considerava que as federações estavam a abrir a porta da CGT aos moscovitas; Arranha, depois de ameaçado à pistola, abandonava A Batalha no final de Agosto; Manuel da Silva Campos deixava a Comissão Administrativa da CGT, mas manter-se-ia perto da confederação, sendo eleito administrador do jornal em Novembro.

Primeira página do n.º 2299 (1 de Junho de 1926)

Primeira página do n.º 2535 (1 de Maio de 1927)

Do último esforço para a reorganização de A Batalha ao assalto final ao Correio Velho

Para novo director do periódico era escolhido Mário Castelhano, que tinha de resolver inúmeros problemas. Não eram só os financeiros – esses acompanharam sempre a vida do diário –, mas também a inoperância da sua secção editorial, que além de não editar qualquer brochura, durante este ano se via privada de uma das suas publicações na imprensa, pois a Renovação já tinha deixado de ser impressa em Junho.

A dificuldade central, porém, relacionava-se com a orientação do diário, com a excessiva autonomia do seu corpo redactorial em relação à CGT e com as acusações de que A Batalha estava tomada por profissionais do jornalismo que nem sequer simpatizavam com a causa sindicalista. Assim, o ano de 1927 abria com o afastamento de Mário Domingues e com um editorial de Castelhano, aludindo a uma A Batalha revigorada. Esta promessa saía gorada: depois de fracassada a primeira tentativa de reviralho, no início de Fevereiro, a polícia entrou pelo Palácio Marim-Olhão adentro e prendeu redactores, tipógrafos e operários. Por decisão administrativa, o jornal era proibido e suspendia a sua publicação por quase dois meses.

No início de Abril, o diário voltava a sair, mas o mesmo não aconteceria com o Suplemento literário: sem revistas, sem actividade da publicação de brochuras, a Secção Editorial encerrava definitivamente a sua actividade. Restava A Batalha diária, que fazia o rescaldo do reviralho: saques policiais às instalações das associações de classe encerradas e deportação de centenas de reviralhistas, operários e indigentes. Entre eles estava o redactor-principal, Mário Castelhano, que partia para Angola no seu primeiro exílio forçado. Gradualmente, os dirigentes confederais passavam à clandestinidade e o jornal, agora sob censura, deixava de tratar de matéria sindical, ocupando as suas páginas com biografias de velhas figuras anarquistas.

O 1º de Maio desse ano era silencioso, pretendendo simbolizar a mordaça imposta pela ditadura militar ao movimento operário. No final do mês, a sede na Calçada do Combro era encerrada e A Batalha deixava de se publicar; na madrugada de 2 de Novembro, as instalações foram totalmente pilhadas pela polícia, a propaganda foi apreendida e nem os canos da água escapariam à vingança final de Ferreira do Amaral. O panorama era bastante negro no início de 1928: os membros do Comité Confederal estavam praticamente todos presos e A Batalha encontrava-se ilegalizada. Não se publicaria até 1930.

O semanário A Batalha e a Comissão Inter-Sindical de Defesa dos Trabalhadores

A resistência sindical nos anos vindouros revelou ainda mais o enfraquecimento da CGT e a profunda cisão dentro do meio operário. Os socialistas começaram a mobilizar-se e organizaram as bases para uma Federação das Associações Operárias. Por parte dos partidários da ISV surgiu uma Comissão Inter-Sindical. E depois ainda existiram sindicatos autónomos que não queriam recriar as discussões ideológicas de meados da década de 1920.

À CGT restava abandonar a estratégia da década anterior, de permanente ataque ao governo, e passar a promover a defesa dos direitos adquiridos pelos trabalhadores e da legislação laboral em vigor no fim da Primeira República. A sua acção consistia na denúncia dos patrões que não pagavam atempadamente e não respeitavam o horário semanal das 40 horas. Esta transformação táctica tornou-se ainda mais notória pela criação de uma organização-fantoche denominada Comissão Inter-Sindical de Defesa dos Trabalhadores (a desorientação é tanta que até os documentos oficiais desta comissão têm o carimbo da CGT ao lado de uma citação de Karl Marx). Mas o sindicalismo estava enfraquecido e os trabalhadores entravam na década de 1930 com uma crise económica às costas. Isso conduziu a que mesmo no campo anarquista alguns militantes da CGT iam dando primazia ao estabelecimento de contactos com a Federação Anarquista Ibérica (FAI) para a criação de uma Federação Anarquista da Região Portuguesa.

Não é por isso surpreendente que A Batalha que surgiu em Setembro de 1930, para uma II série visada pela censura, não passe de uma sombra do velho jornal. Aparecia como semanário e no editorial do primeiro número reforçava-se a necessidade de pensar o sindicalismo de uma forma autónoma aos partidos políticos e ao Estado. Um tema recorrente nos 13 números desta série, que se aguentou até Dezembro, era o ataque ao PCP e aos bolchevistas, desde textos teóricos sobre a diferença entre anarquismo e marxismo até a críticas ferozes à tradução de John Reed para português. Sobre os trabalhadores iam-se publicando alguns textos sobre os mineiros de Aljustrel e sobre a exploração dos pescadores. Porém, é essencialmente um periódico inofensivo que revelava o esgotamento da confederação para responder de forma adequada às necessidades do momento, principalmente quando se começava a desenhar a hipótese corporativa para a resolução da questão social.

Primeira página do n.º 1 da II Série (13 de Setembro de 1930)

Primeira página do n.º 1 da III Série (Abril de 1934)

A Batalha na clandestinidade

O canto do cisne foi o 18 de Janeiro de 1934: a tensão entre sindicalistas revolucionários, anarquistas e comunistas, o encarceramento de alguns organizadores poucas semanas antes (entre eles estavam Acácio Tomás de Aquino, que só regressaria do degredo em 1949, depois de 13 anos no Tarrafal, e Custódio da Costa, que só voltaria a Portugal em 1950) e uma ostensiva incapacidade de coordenação – que espelhava bem o estado decadente da organização operária nestes anos – poderão ter contribuído para esse desfecho.

A perseguição aos participantes no movimento da Marinha Grande não se faz esperar. Alguns conseguem escapar: um deles é José António Machado, um miúdo de 18 anos que consegue fugir para Lisboa e põe uma tipografia clandestina a funcionar em Monsanto. Daqui sairiam algumas A Batalha clandestinas, provavelmente devido ao esforço de Francisco Quintal, por essa altura empenhado nas relações com a FAI, e de Emídio Santana, que regressou em Agosto desse ano de uma estadia forçada de dois anos e meio nos Açores.

Foram publicadas, pelo menos, 13 folhas entre 1934 e 1937: a última saiu em Julho, escassos meses antes do atentado a Salazar nas Avenidas Novas, em Lisboa. Esse fracasso e a subsequente detenção de Santana contribuíram para novo hiato na publicação de A Batalha. Quanto à CGT clandestina, a sua publicação suspendeu-se no ano seguinte, mantendo-se fiel às deliberações de Santarém, 13 anos antes, negando-se a colaborar em qualquer frentismo, mesmo contra o Estado Novo.

O último acto do jornal na clandestinidade iniciou-se em 1944 e para isso deverá ter contribuído o contexto internacional e a iminente queda dos fascismos. Até 1949 publicar-se-iam mais de 20 folhas A Batalha e começou-se a desenhar a acção anarco-sindicalista no pós-salazarismo. Mas a desilusão perante a conservação do Estado Novo em Portugal, aliada a algumas divergências entre os clandestinos (particularmente entre Santana e Botelho) e a outras peripécias como o desaparecimento do material tipográfico com o logotipo do jornal (acusava-se Germinal de Sousa de ter guardado essa recordação), contribuiu para que A Batalha interrompesse a sua publicação até 1974.

Emídio Santana ou como pôr de pé um jornal (1974-1988)

A 21 de Setembro de 1974, A Batalha era reposta em circulação. Um dos principais envolvidos no precário projecto de manter vivo o jornal durante a longa noite fascista foi Emídio Santana, que tinha a curiosidade de ter sido um jovem crítico da orientação de A Batalha nos últimos anos de publicação do diário. Não mais de uma década depois, a situação política alterou-se de tal forma que Santana chamou a si a responsabilidade de aguentar penosamente o que ainda sobrara da tradição anarco-sindicalista e carregou-a até 1974, reerguendo o jornal numa legalidade que, não o esqueçamos, lhe é apenas instrumentalmente útil.

O primeiro número é consequência de uma inflacionada esperança de Santana na memória colectiva portuguesa sobre o movimento anarquista. Decidiu-se mandar imprimir 30.000 exemplares da edição, mas não se terão vendido mais de 3.000. Ao contrário do que esperava Santana, a lembrança da tradição anarco-sindicalista tinha, em larga medida, desaparecido, não restando mais do que algumas bolsas esporádicas de velhos militantes, que procuravam agora dialogar com jovens curiosos que visitavam ocasionalmente a sede do jornal na Rua Angelina Vidal. Na primeira fase da VI série, A Batalha apresentava-se como um jornal transgeracional, com um núcleo duro formado pelos mais experimentados Santana, Lígia de Oliveira e Moisés da Silva Ramos e os jovens Carlos Fontes e Júlio Palma. Mas o jornal dependia, igualmente, do contributo oferecido pelos distribuidores do jornal, de todas as gerações: do tarrafalista Aquino, de Artur Modesto e José Francisco, até aos mais jovens, como era o caso de Jorge Dias de Andrade em Coimbra, Carlos Reis na Margem Sul ou André Melo Bandeira no Porto. Mas a própria história do jornal no período pós-revolucionário foi marcada por várias flutuações na composição da equipa redactorial, na orientação dos artigos publicados e na relação estratégica que A Batalha manteve com as organizações do amplo espaço libertário.

Entre 1974 e 1975 as páginas do jornal eram preenchidas por artigos que pugnavam por um sindicalismo independente e autónomo, pelas lutas operárias locais e pelo associativismo das comissões de trabalhadores, face à captura do mundo do trabalho pela intersindical. Ler A Batalha do período revolucionário é encontrar um levantamento minucioso das lutas dos trabalhadores nas empresas, de greves, saneamentos, ocupações e despedimentos que, um pouco por todo o país, revelavam que o conflito entre capital e trabalho não era uma reminiscência de um outro tempo. A vinculação excessivamente obreirista do jornal – que levou a que o Grupo Libertário de Almada decidisse lançar, no início de 1975, o jornal Voz Anarquista, com propósitos mais estritamente ideológicos e especificamente anarquistas – revelava-se nas próprias relações de afinidade que A Batalha estabelecia internacionalmente, aproximando-se da francesa Alliance Syndicaliste e da sueca Sveriges Arbetares Centralorganisation, organização sindical com a qual mantém, ainda hoje, uma longa relação de amizade.

Em 1976, a sede de A Batalha mudou da Rua Angela Vidal para a Avenida Álvares Cabral, mas não se tratou da última transformação relevante a assinalar. Nesse mesmo ano, a própria orientação dos artigos do jornal reconfigurou-se: os textos dedicados ao mundo do trabalho e ao associativismo laboral diminuiram e esta transformação serviu de premonição à profunda alteração discursiva do jornal a partir do início da década de 1980. A entrada de Carlos Reis e Carlos António Nuno em A Batalha representava o rejuvenescimento da equipa de colaboradores e redactores, tal como o da sua apresentação gráfica e temática. O jornal começava a alargar o seu escopo, com a publicação de textos contra o nuclear, sobre ecologismo, antimilitarismo, feminismo, drogas, sexualidade, abolicionismo prisional, o que reflectia o novo dinamismo que os mais jovens procuravam imprimir em A Batalha. Os mais experienciados começaram a afastar-se, com particular destaque para Moisés da Silva Ramos, que abandonou a redacção. Santana mantinha-se, mas a sua intervenção era menos interventiva quanto ao conteúdo substantivo de A Batalha: o que o preocupava, verdadeiramente, era a sobrevivência do jornal após o décimo ano da sua reactivação, fosse pela ameaça dada pela instabilidade da sua sede (que em 1981 mudou novamente, desta feita para a Avenida D. Carlos), fosse pelas alterações constante na composição da redacção e a irregularidade com que o jornal saía para os escaparates.

Durante toda a década de 1980, a actividade de A Batalha ficara inegavelmente marcada pelo ecletismo das colaborações que começava a publicar: António Cândido Franco, José Carlos Costa Marques e Afonso Cautela contribuíam com textos sobre ecologismo, António José Forte oferecia a sua colaboração com as suas famosas «Teses Sobre a Visita do Papa», Madalena B. escreveu sobre o aborto ou a contracepção a partir de uma perspectiva feminista, Júlio Palma iniciou as suas célebres invectivas contra o sovietismo. Mas a década ficou também marcada pelo nascimento de uma polémica mais ou menos silenciosa no espaço libertário português, a propósito da organização das comemorações de «Um Século de Anarquismo em Portugal», animadas pela revista A Ideia. M. Sousa alertaria em A Batalha contra «a ilusão democratista de alguns anarquistas» e deu o tiro de partida para uma controvérsia entre anarquistas. A Batalha ressentiu-se, com a diminuição das contribuições externas e com o abandono de alguns redactores, que possivelmente não se queriam rever no apoio prestado pelo jornal à comissão organizadora. Na verdade, durante meio ano de 1987, o jornal não se publicou, só regressando aos escaparates no início de 1988, com um comité redactorial formado apenas por Lígia de Oliveira, Francisco Trindade e Emídio Santana, que se manteve como director até à sua morte em Outubro.

Primeira página do n.º 1 da VI Série (21 de Setembro de 1974)

Primeira página do n.º duplo 122-123 da VI Série (Fevereiro de 1989)

O «jornal de expressão anarquista» de José Maria Carvalho Ferreira (1989-1990)

Sob a direcção de José Maria Carvalho Ferreira, A Batalha sofreu uma remodelação gráfica e apresentou-se pela primeira vez como «jornal de expressão anarquista», enunciado constante na capa e que se mantém até hoje. Também perdeu o vermelho que a caracterizara desde o seu reaparecimento em 1974. Lígia de Oliveira saiu da equipa redactorial, que contava agora com Francisco Trindade, Luís Garcia e Silva, José Luís Félix Fernandes, Torcato Sepúlveda e o regressado Moisés da Silva Ramos. A lista de colaboradores era longa, de José Tavares a Miguel Serras Pereira, de Joaquim Palminha Silva a António Cândido Franco, de Carlos da Fonseca a Sérgio Garcia e Silva, que se iniciava na tradução de artigos para português, actividade que vai continuar nos anos seguintes e da qual A Batalha muito dependeria no futuro, para preencher as suas páginas.

O consulado de Carvalho Ferreira é curto, muito curto: apenas cinco números. Lá encontramos artigos sobre a história da CGT, ataques a Leonor Beleza, ministra da saúde de Cavaco Silva, ensaios de Bookchin sobre ecologia social, textos sobre a resistência em Hong Kong, ou a notícia de lançamento do documentário Memória Subversiva. Mas encontramos uma amplificação das temáticas abordadas no jornal e, também, uma radicalidade expressiva no seu próprio discurso. Contudo, sem explicação pública, o director e grande parte da redacção acabam por abandonar o jornal em 1990, restando Trindade, Garcia e Silva e Moisés da Silva Ramos. A eles, juntar-se-iam Sérgio Duarte Garcia e Silva e Maria Magos Jorge.

A estabilização de um jornal de ideias (1990-1998)

Entre 1990 e 1991, Moisés da Silva Ramos surgia como director do jornal e, imediatamente, verificavam-se duas alterações significativas: por um lado, o jornal perdia algum do lastro gráfico que tinha sido introduzido no biénio anterior; por outro lado, A Batalha passava a sair atempadamente a cada trimestre. É introduzido um rigor que escapava ao jornal nos últimos anos, mas a criatividade e a própria amplitude do jornal acabaram por ressentir-se, com grande parte dos artigos publicados a serem da lavra dos membros da redacção. Júlio Palma regressava para manter uma colaboração regular sobre temas internacionais, particularmente relevante após a queda da URSS, Francisco Trindade explorava a tradição teórica dos anarquismos, Cândido Franco escrevia sobre o cruzamento entre cultura portuguesa e ideias libertárias, Jorge Valadas retomava a colaboração com um artigo sobre as banlieues, e A Batalha iniciava um longo percurso em que de jornal noticioso em 1974 se transformava, durante a década de 1990, numa publicação de ideias.

Maria Magos Jorge, que já escrevera artigos sobre o cruzamento entre anarquismo e feminino, tornou-se directora do jornal em 1992. Continuou a publicar artigos sobre Emma Goldman ou Marie-Louise Berneri, mas o seu principal marco terá sido o de garantir uma estabilidade notável ao jornal. Magos Jorge traz também novos colaboradores, como é o caso de Jorge Colaço, João Santiago e Manuel Vieira, que se manteriam como contribuidores mais ou menos nominais do jornal durante as décadas seguintes, e alguns jovens começavam a enviar textos com maior ou menor regularidade, como é o caso de Paulo Guimarães sobre as Juventudes Libertárias ou Rui Tavares sobre algo estranho ao qual se convencionou chamar de internet. A Batalha também abandonou o espaço libertário especificamente português ao qual se tinha remetido e nas suas páginas encontram-se textos traduzidos, recortes, curtos ensaios de várias figuras internacionais, como Bookchin, Chomsky, Colin Ward ou Roussopoulos, editor da Black Rose Books, graças ao qual Magos Jorge se terá aproximado de posições afins do municipalismo libertário.

Em 1997, aparecia o nome do proudhoniano Francisco Trindade como director de A Batalha, após a surpreendente suspensão da colaboração de Magos Jorge no jornal, apenas interrompida para fazer a defesa pública do aborto, pouco antes do seu primeiro referendo. A redacção, que se tornara um círculo cada vez mais reduzido, contava com Luís Garcia e Silva, João Santiago, Paulo Guimarães e ainda Moisés da Silva Ramos, sempre de regresso para ajudar nas transições. Mas o jornal estava cada vez mais fechado em si mesmo e com um grupo muito restricto de colaboradores. A Batalha estava estável, mas há sempre o risco de isso se manifestar no seu adormecimento. No Verão de 1998, lê-se nas páginas do jornal um elogio público à conferência internacional sobre ecologia social e municipalismo libertário realizada em Lisboa, em que tanto Carvalho Ferreira como Magos Jorge foram dois dos seus proponentes públicos. Esse foi também o último número sob direcção de Francisco Trindade, que seria substituído nas suas funções por João Santiago.

Primeira página do n.º 132 da VI Série (Abril / Junho de 1991)

Primeira página do n.º 276 da VI Série (Setembro / Outubro de 2017)

«Não deixem o jornal morrer»: Santiago, Elisa e Luís (1998-2017)

O nome do director que figuraria na capa do jornal era o de João Santiago, mas o trabalho de fundo na gestão de A Batalha ficou às costas de Luís Garcia e Silva e Elisa Areias durante as três décadas seguintes. A eles, juntaram-se Júlio Palma, José Augusto, Fernando J. Almeida e Ernesto de Vasconcelos como redactores mais habituais, também com a contribuição preciosa de Manuel Vieira, que até morrer seria um valioso divulgador do jornal. Mas o jornal tinha, então, desaparecido das bancas e a tiragem reduzira-se ao mínimo indispensável para garantir que chegava aos seus assinantes. Em 2017, cada edição tirava um centésimo da tiragem do primeiro número da VI série: 300 exemplares. Também os já não tão novos colaboradores que tinham auxiliado Santana a pôr de pé o jornal tinham abandonado A Batalha. Não há sinais de artigos de Carlos Fontes, Mário Rui Pinto ou José Maria Carvalho Ferreira, que, entretanto, se ocupava da edição da revista Utopia. Os temas centrais são tanto de actualidade especificamente portuguesa (a regionalização, a independência de Timor), como internacional (o tema que percorre estes trinta anos é sempre o da causa palestiniana, mas a crítica ao imperialismo, na linha de Chomsky, é também um tópico permanente), mas aquilo que vai tomando primazia com o passar dos anos e que vai correndo em surdina é o obituário que A Batalha vai escrevendo de si e dos seus colaboradores: Aquino, Reis Sequeira, Lígia de Oliveira, Moisés da Silva Ramos, Manuel Firmo, os tarrafalistas Joaquim Pedro e Abílio Gonçalves.

De facto, para garantir que a publicação do jornal se mantinha regular e estável, A Batalha vai ocupando as suas páginas olhando para dentro, para a sua história, a fazer a sua história, mas também a escrever uma história arquipelágica do movimento libertário e da cultura anarquista. Mas A Batalha e a associação que a anima – o Centro de Estudos Libertários (CEL) – avançavam também com um estreitamento de relações com indivíduos ou colectivos estrangeiros, do mesmo espaço libertário. Alexandre Samis começa a publicar no jornal com um texto sobre a Clevelândia, mas também se dá notícia da realização do Colóquio Internacional Libertário, realizado no Rio de Janeiro em 2004. No ano anterior, já o CEL tinha recebido Joaquina Dorado Pita, que juntamente com o seu companheiro Liberto Sarrau, já falecido, era militante da CNT espanhola durante a guerra civil. De facto, já nas novas instalações do CEL nos Olivais Velhos em 2005, é organizado o Círculo Joaquina Dorado e Liberto Sarrau, uma justa homenagem pela importante doação que Dorado ofereceu ao jornal e à associação e que lhe deu algum respaldo financeiro que permitiu a sua publicação nas duas décadas seguintes.

Até 2007, A Batalha, também graças ao desafogo financeiro proveniente da doação de Dorado, reactivou a publicação de algumas brochuras e mesmo de livros de actas das conferências que foi organizando com alguma regularidade (tanto as sessões do Círculo Dorado e Sarrau, como na conferência de homenagem a Emídio Santana, nos 25 anos do seu desaparecimento). Mas o jornal era ainda animado pela contribuição dada por Manuel Banet Baptista a partir de 2001, ao reintegrar no jornal os temas da organização e do sindicalismo, que em larga medida tinham desaparecido da publicação. Mas após a sua saída em 2007, com o desaparecimento de Fernando J. Almeida e com o afastamento de Júlio Palma para o Alentejo, que se responsabilizava por animar a secção «Visto da parvónia» durante a década seguinte, o jornal começara a revelar um natural cansaço, com muitas páginas a serem preenchidas com evocações de figuras gradas da militância anarquista portuguesa, mas também espanhola. É certo que as suas páginas se enchem de artigos de opinião sobre a crise financeira, a partir de 2008, mas A Batalha era um jornal cansado e nostálgico, que preferia olhar para o passado do que para o seu presente ou se dedicar à produção de um futuro.

Garcia e Silva e Areias tinham estado com A Batalha desde 1974 e, mais de quarenta anos depois, o jornal com eles envelhecia, sem, contudo, perder a dignidade conquistada pela maturidade do ofício. O seu principal objectivo foi definitivamente alcançado: não deixar que o jornal desaparecesse e que, com ele, se perdesse o derradeiro artefacto do anarquismo português. A Batalha tinha a singela função de servir como precário condutor entre o sindicalismo anarquista do início do século XX e os novos anarquismos que, abandonando o espaço sindical, procuravam também inventar numas formas de organização social e produzir novos modos de vida. Era também um jornal que se fixava num vértice entrecruzado por tantas gerações, e que pretendia ser um espaço que servisse para o diálogo entre elas. Em 2017, foram alguns mais novos que agarraram no jornal para lhe dar continuidade e outra vida. Que deles nunca reze a história.